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O outro Zimmerman, a criação de Tyler e a lei de Laura: seis discos de outubro para ouvir todos os dias

Foi o mês em que mudou a hora, caso alguém não tenha percebido, mas foi também o mês em que nos deixámos levar por anciãos da folk e canções para fazer bebés. Está tudo nos títulos que se seguem.

João Bonifácio
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Rodrigo Mendes
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Outubro foi o mês em que no intervalo de escassos dias Arooj Aftab, Nick Cave e Mabe Fratti deram concertos em Portugal, todos a gerar elogios e agradecimentos. Foi o mês em que João Coração regressou aos discos – e que grande álbum pop está ali – ao fim de década e meia, em que Stephen Malkmus nos ofereceu novas malhas na sua nova banda, os Hard Quartet, e em que os Porridge Radio lançaram o seu melhor disco até à data.

Mas houve outros lançamentos em outubro, para os quais não houve o espaço ou o tempo devidos e que merecem a nossa atenção e todo o afeto. Escolhemos seis, que vão do hip-hop à folk, passando pelas guitarras e, bem, todos os géneros possíveis e imagináveis, no caso de New Sound, de Geordie Greep. Experimentem à confiança.

“Dance of Love”

De Tucker Zimmerman

Há um Zimmerman muito popular na música folk – mas acabou por ficar conhecido como Bob Dylan. Este, que nasceu no mesmo ano de Dylan, também devia ter chegado a mais pessoas – David Bowie era um fã e isso costuma render uns ouvintes extra. Mas a vida deste Zimmerman não seguiu os contornos habituais de uma estrela folk: nos anos 70, casou-se com uma belga e foi viver para o país da sua esposa, onde continuou a compor discos e a escrever na obscuridade.

Ouvido apenas por uns poucos, Zimmerman tem nos Big Thief grandes fãs e, tal como a The Band se tornou a banda de Dylan, os Big Thief são, em Dance of Love, a banda de Tucker, além de produzirem o disco. Poucos álbuns abrem com a graciosidade de Old folks of Farmsville: primeiro as vozes (Tucker e Adrianne Lenker, dos Big Thief) numa melodia delicada, uma guitarra acústica, depois uma slide perfeita em fundo, e depois do refrão um ligeiro ascender da instrumentação – apetece-nos aninhar no cerne da canção e nunca sair dela. Não é a única faixa de exceção: Nobody knows, que encerra o disco, é uma bluesada cheia de swing, sussurrada naquele tipo de voz de quem já viu e viveu tudo, enquanto They don’t say it (but it’s true) assenta em contra-baixo e numa melodia de encantar. Nunca é tarde para se ser descoberto.

“New Sound”

De Geordie Greep

Durante 7 anos, até ao hiato declarado em agosto deste ano, os Black Midi dedicaram-se a fazer música que era muitas músicas – pós-punk mas com algo daquele rock matemático que animava os Tortoise, algum jazz experimental e contornos de rock progressivo. Pouco depois de a banda anunciar a pausa, um dos seus vocalistas e multi-instrumentistas deita cá para fora um disco de estreia – e talvez não seja muito surpreendente que New Sound esteja cheio de sons diferentes.

Terra é um derivado avariado de bossa-nova e, no instante seguinte, estamos entregues aos riffs glam-rock com salsa (sim, leram bem) de Holy, Holy, uma canção em que um homem se gaba das suas imensas qualidades a uma mulher. Ocasionalmente há discos assim, que parecem abarcar todos os estilos ao cimo da terra – Frank Zappa fez carreira disso, os Mr Bungle não conseguiam que uma canção fosse uma coisa (tinha de ser mil coisas). O que nunca resulta em discos coerentes, mas quando bem feito (o que é o caso) provoca fascínio e espanto em iguais proporções.

“CHROMAKOPIA”

De Tyler the Creator

A maior parte dos grandes artistas têm um período iluminado, o momento em que descobrem a sua voz e disparam um par de discos que lhes servem de bitola o resto da vida – Cohen e os seus três primeiros discos, os The National de Alligator a High Violet. No caso de Tyler the Creator, o seu primeiro grande momento é Flower Boy (com aquela enorme canção pop que é See you again, com Kali Uchis), seguido (cronologicamente) por Igor.

Tudo o que Tyler produzir será comparado a esses discos – mas não temam, porque basta um tema como Rah tah tah para nos assegurar que o homem está em grande forma. CHROMAKOPIA oscila entre beats deliciosos, com órgãos maravilhosos (Darling, I). riffs duros (Noid) e esse estupendo pedaço de devastação que é Like him, em que a mãe de Tyler assume que foi ela que afastou o pai, que Tyler sempre repudiou, por pensar que este o havia abandonado. Na ótima Baloon surge Doechii, rapper em ascensão – e se Tyler não ascende mais que discos anteriores, pelo menos mantém-se na mesma fasquia.

“Evergreen”

De Soccer Mommy

Nos últimos anos uma série de garotas pegaram em guitarras e tomaram conta do indie-rock, fazendo dele coisa feminina: Julia Jacklin, Stella Donnelly, Snail Mail, Hand Habits, e Soccer Mommy são apenas alguns dos exemplos (e nem estamos a incluir as Boygenius, um trio em que cada membro — Julien Baker, Lucy Dacus, Phoebe Bridgers – tem já uma sólida carreira a solo).

Sophia Regina Allison (Soccer Mommy, no mundo da música) tem apenas 27 anos, o que não a impede de nos três discos anteriores já ter acumulado uma série de grandes canções (Blossom, Last girl, Your dog) e ser hoje mais certeza que esperança. Em Evergreen as guitarras ainda mandam mas há um novo nível de sofisticação na escrita e nos arranjos (“M” tem uma slide-guitar deliciosa); o foco está em melodias vulneráveis com arranjos orquestrais. Tudo isso é sintetizado na doce e maravilhosa Changes, folk delicada com sopros a cirandar em torno da melodia.

“NO TITLE AS OF 13 FEBRUARY 2024 28,340 DEAD”

De Godspeed You! Black Emperor

Havia uma piada que se fazia sempre com os GY!BE antigamente, uma piada mázinha, que consistia em descrever a música que faziam como “vai acima, vai abaixo”. O resumo era cínico, mas indicava uma tendência da banda para alternar momentos de acalmia com explosões épicas – algo que muda neste NO TITLE AS OF 13 FEBRUARY 2024 28,340 DEAD, um título que pretende alertar para a tragédia em Gaza e que quase nos obriga a ir procurar a contabilidade de mortos desde 13 de fevereiro.

Agora os GY!BE estão mais contemplativos, algo que é notório (por exemplo) na belíssima BABYS IN A THUNDERCLOD, que vai crescendo lentamente, apoiada nas guitarras e em glissandos de violinos, mas não chega a detonar. Há um tom de jam a percorrer o disco, como se mais que compor os GY!BE se tivessem sentado numa sala a experimentar – e daí resultassem grandes faixas como RAINDROPS CAST IN LEAD, que demora mas chega a um belíssimo duelo de guitarras e violinos. NO TITLE AS OF 13 FEBRUARY 2024 28,340 DEAD não é um disco fácil nem imediato, mas quem tiver paciência será recompensado.

“Patterns in Repeat”

De Laura Marling

Há vozes em fundo, uma de um bebé, e depois guitarra e flauta delicadas e uma melodia que arrepia – que coisa lindíssima, Child of mine, a faixa de abertura de Patterns in Repeat, com os seus coros e arranjos de cordas. Laura Marling dedica a canção à sua criança de 4 anos e com isto marca o tom do disco: folk suave e extraordinariamente bem arranjada, com melodias excecionais e letras que abordam os temas domésticos – e é um disco lindíssimo e comovente, como é raro encontrar.

É uma viragem grande, se tivermos em conta que Marling sempre foi muito reservada acerca da sua vida privada, mas tudo aqui bate certo: não há percussão e o disco, não foram os arranjos de corda, podia estar a ser tocado por ela agora aqui na minha cozinha. É um álbum que se aninha no sofá, que pede chá e lareira e um gato para afagar, enquanto a chuva cai lá fora e as crianças crescem – um disco que dá vontade de ir fazer bebés, só para os poder ver crescer novamente. Que maravilha.