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(A) :: Youngstown. A cidade-fantasma que foi um bastião dos trabalhadores e que, com o abandono, “amargou”

Youngstown. A cidade-fantasma que foi um bastião dos trabalhadores e que, com o abandono, “amargou”

Fotogaleria. No Ohio há uma cidade que foi motor da indústria do aço nos EUA e símbolo da classe trabalhadora democrata. Hoje, entre carcaças de ferro e casas demolidas, encontra conforto em Trump.

Diogo Ventura
photography
Cátia Bruno
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“Bem, o meu pai veio para as fábricas do Ohio/ Quando voltou da II Guerra Mundial/ Agora os estaleiros são só sucata e lixo/ Ele disse ‘Aqueles manda-chuva conseguiram o que Hitler não conseguiu”.

Em 1995, Bruce Springsteen lançava a música Youngstown, um retrato da cidade do nordeste do Ohio que, desde o início do século até meados da década de 1970, foi uma das principais cidades industriais do chamado Cinturão do Aço e até de toda a América. No vale Mahoning, ao longo do rio com o mesmo nome, dezenas de fábricas de aço se ergueram, a trabalharem noite e dia. A maior delas era a Youngstown Sheet and Tube, cuja principal fornalha, Jeanette, nunca parava de arder e fumegar.

No início do século XX, milhares de imigrantes da Europa e outros trabalhadores norte-americanos foram para Youngstown, em busca de trabalho, juntando-se às fileiras de operários que lideraram alguns dos movimentos sindicais mais relevantes da História dos EUA. Durante décadas, Youngstown foi um símbolo da classe trabalhadora norte-americana, que depositava a grande maioria dos seus votos no Partido Democrata — desde 1972 que o condado de Mahoning dava a vitória ao candidato presidencial do partido.

Com a deslocalização das fábricas, movida pela globalização, Youngstown esvaziou-se e entrou em decadência. Em tempos, ali viveram mais de 170 mil pessoas; hoje, não chegam às 60 mil. As casas que não conseguem ser vendidas acabam abandonadas e depois demolidas pela autarquia, deixando uma série de espaços vazios onde a relva cresce desgrenhada. No centro de Youngstown, não há, hoje em dia, nenhum restaurante de fast food nem uma grande cadeia de supermercados. Os bares de outrora ao longo da ferrovia que ligava as fábricas, onde os operários se juntavam para beber um copo depois do turno, estão todos fechados, com as janelas entaipadas ou tapadas com tijolos. E, numa cidade em tempos controlada pela máfia, a descrença no poder político é um traço que vem do passado e que até hoje se mantém.

O sentimento geral é de “abandono”, garante o historiador local Sean Posey ao Observador. O “coração do aço da América”, diz, “amargou”.

Num comício na campanha de 2020 na cidade, Donald Trump prometeu que iria “trazer a cidade de volta”. Acabaria por ser o vencedor no vale de Mahoning e arredores, quebrando a associação de décadas da “Cidade do Aço” aos democratas. Agora, pode voltar a repetir essa vitória aqui no dia 5 de novembro, na cidade onde o ferro enferrujou e a maioria dos operários partiram. Os que restam, como Tim Sokoloff, um dos últimos moradores do bairro operário de Campbell, sentem que foram deixados para trás: “Este lugar representava o melhor da América. Agora mostra aquilo em que a América se tornou.”