A globalização é o processo contínuo de integração mundial, impulsionado por duas forças principais: os catalisadores, que desencadeiam a aproximação das sociedades; e os promotores, que alimentam essa dinâmica de agregação.
Este processo não é novo. Porém, frequentemente, há quem o situe no período das grandes navegações dos séculos XV e XVI e, a partir daí, identifique quatro fases. Discordo desta conceção e considero que a globalização começou há cerca de dois mil anos, estando atualmente na sua oitava fase, onde a tecnologia e a inteligência artificial prometem acentuar as mudanças em áreas estruturantes da atividade humana.
A integração mundial é um movimento contínuo, que não se dá de maneira linear ou uniforme. Toma diferentes formas e ocorre por meio de avanços intrincados e assimétricos ao longo do tempo, onde cada fase é movida por catalisadores como a religião, o comércio, a ciência, o mercantilismo, a conquista, o império, a industrialização e, hoje, a tecnologia. A cada um destes estímulos, corresponde um promotor da agregação: as crenças, a criatividade, o conhecimento, os bens, a reputação, as pessoas, o capital e, na atualidade, a inteligência artificial. São estas as forças dominantes, que moldam as dinâmicas de cada fase da globalização.
No início desse processo, a disseminação das grandes religiões universais, como o Budismo, o Cristianismo e o Islamismo, foi o primeiro catalisador da globalização. Estas crenças transcenderam as culturas locais e transformaram profundamente as sociedades da Europa, Ásia e África. Ao dirigirem-se a todos os indivíduos, sem distinção, moldaram intelectualmente e artisticamente estes continentes. A expansão religiosa, embora conflituosa em alguns momentos, foi amplamente facilitada pelo contato com outras tradições, como o Hinduísmo, o Confucionismo, o Xintoísmo e o Animismo, promovendo um intercâmbio cultural sem precedentes.
No século VII, o comércio intercontinental emergiu como o segundo catalisador da globalização. As rotas mercantis ligavam a Ásia, a Europa e a África, com a civilização islâmica no centro dessas redes. O comércio, para além de promover a circulação de materiais exóticos e artigos de luxo, como a seda e o marfim, também estimulou o intercâmbio de ideias e inovações, como a invenção da porcelana e da pólvora. Nesse contexto, Bagdade viveu uma era de ouro nas artes e ciências, onde a criatividade estimulou o progresso em vários domínios.
À medida que, no século XII, as trocas comerciais aumentaram, a ciência emergiu como o terceiro catalisador da globalização. A fundação das primeiras universidades europeias impulsionou a disseminação do conhecimento, gerando um renascimento artístico e técnico, que promoveu avanços na matemática, na arte e na arquitetura. Cidades como Toledo, com a sua diversidade cultural, tornaram-se centros de inovação científica e intelectual.
No século XV, o mercantilismo consolidou-se como o quarto catalisador da globalização. As explorações marítimas dos países europeus, desencadeadas pelos navegadores portugueses, abriram novas rotas comerciais, que ligaram as economias de diferentes continentes, e por onde circularam intensamente bens. A era das grandes navegações colocou em movimento uma competição global entre as potências europeias, acelerando o ritmo da globalização e dando início a um sistema de competição comercial à escala mundial, fenómeno que está na origem do equívoco que leva alguns autores a situarem, nesta época, o início da integração global.
A partir do século XVI, a conquista territorial foi o quinto catalisador, promovendo uma nova fase da globalização, através da reputação de poder dos Estados. As expedições e conquistas revelaram novos territórios e recursos, transformando a geografia conhecida e impulsionando o desenvolvimento de instrumentos de navegação e de cosmografia. O fascínio por novas terras e culturas, antes distantes e desconhecidas, gerou um intenso intercâmbio cultural e económico.
Nos séculos XVII e XVIII, a constituição de impérios ultramarinos tornou-se o sexto catalisador da globalização. A circulação massiva de pessoas, motivada por tráfico de escravos, migrações económicas e guerras, transformou as sociedades e os territórios ao redor do mundo. As trocas culturais, artísticas e espirituais entre as colónias e as metrópoles contribuíram para a disseminação de ideias e técnicas, enquanto a exploração económica desses novos territórios alimentou o crescimento das potências imperiais.
No século XIX, a industrialização afirmou-se como o sétimo catalisador da globalização, transformando a produção de bens e a organização das sociedades. A mecanização, impulsionada pela máquina a vapor, trouxe enormes avanços económicos, sociais e militares, que afirmaram o capitalismo como sistema económico e social, e redefiniram o trabalho e a vida urbana. Ao mesmo tempo, surgiram novas correntes ideológicas, como o liberalismo e o socialismo, que passaram a justificar ou criticar o sistema capitalista. Os dois conflitos mundiais do século XX fomentaram a criação das organizações multilaterais e dos conceitos universais, como os direitos humanos.
No final do século XX, a tecnologia emergiu como o oitavo catalisador da globalização. A invenção dos microprocessadores mudou a maneira como o conhecimento passou a ser produzido e distribuído, deslocando o foco do capital para a inteligência artificial. A tecnologia permitiu a comunicação instantânea e o desenvolvimento de uma economia baseada em serviços, onde o conhecimento e a capacidade de gerar novas ideias, com recurso à inteligência artificial, passaram a ser os principais motores da riqueza.
No primeiro quartel do século XXI, com a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia, a criatividade e inovação aceleraram exponencialmente, o que promete uma maior integração da tecnologia e da inteligência artificial nas formas como trabalhamos, aprendemos e interagimos.
Neste âmbito, a automação e a robótica estão a ter um impacto significativo na economia e na forma de emprego da força militar. Para além disso, ocorre um aumento no empoderamento individual, com as pessoas a utilizarem a tecnologia e a inteligência artificial para criarem redes globais, colaborarem internacionalmente e influenciarem assuntos à escala mundial.
Porém, apesar da globalização promover integração, nas próximas décadas ocorrerá uma maior fragmentação e competitividade do sistema político internacional, devido à combinação de uma complexidade de fatores que geram tensão entre a cooperação e o protecionismo.
Neste contexto, os interesses nacionais divergentes, moldados por prioridades económicas e de segurança, levarão os países a adotar políticas protecionistas, que reduzirão a cooperação global. Por outro lado, a procura por autossuficiência em setores estratégicos, como a tecnologia e a energia, incentivará os governos a priorizarem as suas economias internas, o que levará à criação de barreiras comerciais e a disputas tarifárias.
O fortalecimento dos nacionalismos e das identidades culturais dos diferentes países, também aumentará a resistência à integração global e fomentará a fragmentação política. Além disso, o medo de perder a soberania e o controlo sobre os recursos naturais vitais à economia, levará países a afastarem-se de acordos multilaterais e a privilegiarem as alianças bilaterais ou regionais.
Tudo isto poderá ocorrer quando desafios, como as alterações climáticas e o número crescente de guerras, requerem uma ação global coordenada, só possível com a adaptação das organizações internacionais às circunstâncias multipolares da ordem mundial!
Em suma, a globalização é um processo antigo e multifacetado, onde cada fase é impulsionada por um catalisador que aproxima as sociedades, e por um promotor que alimenta essa agregação. Nestas circunstâncias, à medida que avançarmos no século XXI, o impacto da tecnologia e da inteligência artificial promete levar a globalização a um novo patamar, desencadeando uma outra mudança que continuará a transformar o futuro da Humanidade.