A prestação de cuidados de saúde é, e deverá manter-se, uma actividade profundamente humanizada. Uma prática pela qual profissionais armados duma tecnologia cada vez mais sofisticada tratam pares humanos no seio de equipas interdisciplinares de crescente complexidade e sem quebras no tempo. Não espanta assim que a comunicação seja fundamental para o bom desempenho da actividade e sabe-se hoje que está também ligada à qualidade dos cuidados prestados pela centragem destes no doente-pessoa e pela satisfação neles gerada. A comunicação em saúde está, assim, indissociavelmente ligada à humanização dos cuidados e o tema da comunicação na saúde interessará tanto aos profissionais e às organizações prestadoras de cuidados, quanto aos doentes e à sociedade.
É através da comunicação, seja ela verbal, não verbal – figurativa ou escrita, que se estabelecem muitas das pontes de confiança e de empatia que depois cimentam a relação terapêutica com os profissionais e as suas instituições; confiança que será fundamental para as escolhas pelos doentes e no seguimento das opções terapêuticas sugeridas.
O objectivo deste curto texto não será listar as estratégias mais correctas de comunicação em saúde, mas sim chamar a atenção dos leitores para a necessidade de estarem atentos e de promoverem a qualidade da comunicação nos cuidados de saúde de que necessitam: sabendo vencer as suas barreiras e contribuindo para melhorar a efectividade dos resultados, a segurança dos cuidados e a satisfação gerada nos doentes. Melhorar a comunicação será mais uma forma de emponderar os doentes na contribuição que podem dar para a qualidade e segurança do seu próprio tratamento.
A boa comunicação entre médicos e doentes pressupõe a convergência de, pelo menos, quatro dimensões: a clareza de expressão, a proximidade e empatia, a honestidade e transparência e o tempo para eles disponível. Por outro lado, constituem-se como barreiras à comunicação o desconforto, a frieza no trato, a linguagem inacessível, a postura distanciada e arrogante, as diferenças culturais e a pressa excessiva que não permite o tempo suficiente para que os doentes nos contem e os médicos lhes expliquem. Mas não só, também a digitalização excessiva, a necessidade de registos electrónicos e a instrumentalização crescente da medicina levam a que, vezes demasiadas, a atenção dos clínicos se desvie da pessoa que está doente para a máquina que os trata ou para o computador que os regista.
Este será, porventura, o risco potencial da digitalização da medicina ao dificultar o veículo fulcral da humanização, que é uma boa comunicação. É que, uma medicina demasiado tecnológica, que sacrifique a sua humanização, sacrificando-a e mesmo substituindo-a, pela inteligência artificial não será mais a medicina de face humana que temos conhecido, antes mais uma tecnologia diagnóstica e terapêutica. É, verdadeiramente, a comunicação empática que confere à medicina a humanidade de que tanto apreciamos e que não dispensam os que sofrem e se sentem frágeis. Os médicos e demais pessoal de saúde não podem ceder a esse risco.
Finalmente, há duas vertentes na comunicação em saúde que gostaria de destacar: a primeira é o contributo que dá à segurança dos doentes, dado que a prestação de cuidados de saúde é feita por equipas e sem interrupções. Assim, é fundamental que a informação sobre os doentes, sobre a sua evolução, sobre as terapêuticas em curso…, sejam claramente transmitidas e bem percebidas por quem retoma os turnos. Também, as instruções terapêuticas, as mudanças de medicação, as possíveis reacções individuais, devem ser suficientemente explicadas e percebidas pelos doentes, pois se o não fizermos arriscamos cometer erros e comprometer a segurança dos doentes.
Ora o papel da comunicação na segurança dos doentes é tido como incontornável e, sabemos hoje, que mais de dois terços dos acidentes em saúde (erros evitáveis com danos para os doentes) se devem a erros de comunicação nas equipas levando a trocas, erros e complicações evitáveis. Por isso, os doentes devem sempre questionar o pessoal de saúde, fazendo-lhes perguntas e pedindo-lhes explicações tais como:
– Esse medicamento é mesmo para mim?
– Esse remédio terá interacções com os que já tomo?
– Venho ser operado a este lado…
Deste modo contribuem para redução de erros e para a sua própria segurança.
A segunda vertente é a gestão da ansiedade e o comunicar de más notícias. Talvez por ter tido de conduzir uma filha de tenra idade a um bloco operatório para realização duma intervenção de cirurgia cardíaca (a minha própria especialidade), aprendi cedo que quem aguarda por um resultado potencialmente grave experimenta horas de ansiedade angustiante. Por isso, tendo operado ao coração alguns milhares de crianças, sempre pugnei para que os seus pais tivessem acesso directo a informações do bloco operatório sobre o evoluir das intervenções dos seus filhos – de modo a assim atenuar a sua ansiedade. Infelizmente, nas raras vezes em que os resultados são insatisfatórios, ou mesmo fatais a comunicação de uma má notícia, sendo sempre terrível, não deve nunca ser brutal! É aqui que a estratégia de comunicação deve usar de toda a empatia (solidariedade com o sofrimento dos outros) e as denominadas “healing words” a serem judiciosamente usadas para mitigar o sofrimento pela perda.
Não havendo fórmulas pré-definidas, sempre recomendei aos cirurgiões que treinei o longo da vida que se colocassem empática e generosamente no lugar das famílias a quem tinham de comunicar uma qualquer má notícia. Como disse Confúcio “trata sempre os outros como gostarias de ser tratado tu mesmo”. É simples!
José Fragata é cirurgião torácico e professor catedrático jubilado na Nova Medical School. Foi vice-reitor com o pelouro da Saúde na Universidade Nova de Lisboa e diretor do Serviço de Cirurgia Cardiotorácica do Hospital de Santa Marta. Tem uma vasta carreira nacional e internacional na cirurgia torácica, que acumulou com a carreira académica.